Coletivo Terra
Vermelha
“Para se conhecer um guarani há que caminhar com
ele”,
Bartolomeu Meliá.
O Coletivo Terra
Vermelha é uma iniciativa de índios e não-índios do Estado de Mato Grosso do
Sul. Somos pessoas preocupadas em pensar e promover propostas de intervenções
na busca da justiça, diante da histórica negação de direitos que são
fundamentais às comunidades indígenas de nosso estado.
Há algumas semanas
líderes da comunidade indígena Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue, na região sul de
MS, publicaram carta na qual afirmam que a comunidade passa por violência
física, cultural, moral e psicológica. Eles foram expulsos de suas terras
originais e partiram para a beira da estrada e outros acampamentos. Agora, anos
depois, de volta ao seu Tekoha - o lugar onde realizam o seu modo de ser e viver -
manifestam a decisão de permanecer na terra que ocupam em resposta à liminar da
Justiça Federal que determinou o despejo das 170 pessoas entre homens, mulheres
e crianças.
Na mensagem, pedem
à Justiça Federal que decrete sua MORTE COLETIVA, no lugar da expulsão. Afirmam
não acreditar mais na justiça brasileira, já que não podem viver em sua terra,
solo sagrado, de forma digna e pacífica.
A carta publicada
causou uma profunda comoção em todo o país e em várias partes do mundo. Por
entendermos o silêncio e a apatia como formas de consentimento diante da
crueldade, do genocídio, do confinamento e das torturas praticadas diariamente
contra os povos indígenas, optamos por tomar uma iniciativa que demonstre a indignação
para com esta nefasta realidade.
Vamos apresentar
por meio de manifestações políticas e culturais propositivas e pacíficas, que
estamos insatisfeitos com tamanho descaso do Estado brasileiro em suas três
instâncias, os Poderes
Executivo, Legislativo e Judiciário, em todas as suas esferas federativas
(União, estado e municípios), para com a situação lamentável em que se encontram
as populações indígenas.
Defendemos
veementemente a idéia de que os representantes eleitos democraticamente pelo
povo façam jus à função para qual foram eleitos (e para a qual são pagos pelos
impostos do povo brasileiro) solucionando esses problemas de ordem coletiva.
Não aceitamos
mais este posicionamento governamental indiferente a esta dívida para com as
comunidades indígenas, que se torna impagável a cada morte, a cada luto, a cada
notícia de agressão e intolerância às diversidades étnicas e culturais que
compõem o estado de Mato Grosso do Sul. Repudiamos esta omissão criminosa
de todos os responsáveis por esta cruel realidade:
“A cada seis dias,
um jovem Guarani-Kaiowá se suicida. Desde 1980, cerca de 1500 tiraram a própria
vida. A maioria deles enforcou-se num pé de árvore. Entre as várias causas
elencadas pelos pesquisadores está o fato de que, neste período da vida, os
jovens precisam formar sua família e as perspectivas de futuro são ou trabalhar
na cana de açúcar ou virar mendigos. O futuro, portanto, é um não ser aquilo
que se é. Algo que, talvez para muitos deles, seja pior do que a morte.”
(Eliane Brum,
Revista Época, 22 de Out. 2012)
Sabemos que
as estatísticas destes fatos sofrem mudanças constantemente (e para pior!),
agravando a triste realidade desses nossos irmãos e irmãs. E por isso, clamamos
por justiça!
O que todos
reivindicamos é o direito dos povos indígenas, reconhecidos pela Constituição
de 1988 e muitos outros instrumentos legais, de terem suas terras devidamente
demarcadas. Reivindicamos também que medidas sejam adotadas para coibir os atos
de violência sistematicamente cometidos contra as populações indígenas que,
cansadas de agressões e omissões, lutam com as suas próprias forças, de forma
pacífica, pelos seus direitos. São agredidos por aqueles que se opõem à justiça
histórica devida a estes povos, amparados pelos interesses escusos do agronegócio,
do latifúndio, do setor sucroalcooleiro e de políticos ruralistas,
conservadores e agentes do grande capital.
Lembramos, ainda,
que devem ser julgados os mandantes e executores do assassinato brutal do
Cacique (Nhanderú) Nísio Gomes ocorrido na terra indígena Guay´viry, município
de Aral Moreira, em novembro de 2011; do estupro sofrido em outubro de 2012, pela
indígena Guarani Kaiowá da aldeia Pyelito Kue/Mbarakay cometido por oito homens;
do assassinato de dois professores indígenas Guarani Kaiowá, Rolindo Vera e
Jenivaldo Vera, da terra indígena Ypo’í, do assassinato da rezadeira (Nhandesí)
Xurite Lopes, da terra indígena Kurussú Ambá, do atentado ao ônibus de
estudantes Terenas, queimado por Coquetel Molotov em junho de 2011, na cidade
de Miranda, além de tantas outras agressões e assassinatos de lideranças
indígenas que lutam por seus direitos. Não aceitamos que estes casos se dêem da
mesma maneira como ocorreu no caso do assassinato da liderança Guarani, Marçal
de Souza Tupã-I, em 1983, que com a falta de celeridade da justiça, prescreveu
após 20 anos, tendo seu assassino morrido sem ser julgado.
A impunidade
concedida às oligarquias opressoras deve deixar de ser uma regra neste país,
que está muito longe de ser de todos e todas. Estes casos de covardia e
violência não caíram e não cairão, jamais, na teia do esquecimento.
Repudiamos as
propostas que agridem os direitos históricos dos povos indígenas, contidos na
Constituição Federal de 1988, como querem os parlamentares dos grupos
conservadores e ruralistas do Congresso Nacional por meio da tramitação da PEC
215. Trata-se de uma ação genocida caso seja aprovada e que conta com apoio de
muitos Deputados Federais, Estaduais e Senadores, inclusive de Mato Grosso do
Sul.
Repudiamos a
omissão irresponsável do Governo Federal desde 1988, em não reconhecer, de uma
vez por todas, os limites dos territórios reivindicados pelos povos indígenas do
nosso estado, conforme determina o Artigo 231 da Constituição Federal e 67 do
ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), atendendo interesses e
reivindicações dos setores ligados ao agronegócio e ao grande latifúndio. Também repudiamos a Portaria 303 da AGU
(Advocacia Geral da União) que não atende os direitos indígenas e somente cria
mais barreiras às demarcações de suas terras.
Repudiamos a
postura do Poder Judiciário, responsável pelo julgamento de ações relativas aos
direitos dos povos indígenas, que não promovendo com celeridade e eficiência a
conclusão dos processos, acabam por arrastá-los há décadas na Justiça Federal
brasileira, assim como, no Supremo Tribunal Federal sem decisões finais. Repudiamos
as decisões da Justiça Federal de suspensão de demarcações e de despejos de
comunidades de suas terras tradicionais recentemente ocupadas, usando o aparato
policial do Estado, custeado com dinheiro público, para expulsar centenas de
famílias pobres para beiras de rodovias, atendendo os interesses de ricos
fazendeiros e empresas do agronegócio.
Que fique claro que
a nossa luta se dá pela e para a paz! Em nome da paz lutamos por medidas
eficazes que intervenham de maneira justa nesta situação de conflito genocida e
bélico que exclui, violenta e segrega milhares de quilombolas, ribeirinhos e outras
minorias, em especial os povos indígenas de MS.
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